quarta-feira, 19 de julho de 2006

De bubuia na maré - Cametáforas 3

No mês de julho, grande parte da população de Belém, vai de mala e cuia aproveitar as férias no interior, nas praias, nos igarapés e ilhas, o negócio é ficar de bubuia na maré...
Nesse clima de férias, lembrei de um primo que fez o caminho inverso...
- Cumpadre Gitito, leve estezinho pra istudá na cidade.
- Sei não, cumpadre, a responsabilidade é muito grande...
- Eu cunfiu nu sinhô, depois, ele pode ajudá na venda do açaí na parte da manhã e de tarde vai pra iscola..
- Olhe lá, cumpadre...
- Pulamordedeus! É melhó quê ficá batendo beira, teteé...
- Intão, tá!
Nascido e criado na beira do rio Tijucoaquara, estava acostumado com a velha e boa canoa, na qual remava com desenvoltura. Nunca tinha vindo à Belém e não tinha a menor intimidade com as loucuras da cidade grande. No primeiro contato com o asfalto, quase foi atropelado por um ônibus e logo na chegada em casa, passou maus momentos com a língua presa no congelador, ficou assustado com a quantidade de novidades, televisão, liquidificador, som, fogão a gás... era muita coisa para conhecer.
- Quando eu cumeçá a trabalhá vou cumprá um bicho desse prá mamãe.
- Que bicho, aquelezinho?
- Esse que sopra e fica percurando a gente.
- Ah! ventilador...
Ele adorava olhar as pipas no ar... Quando alguma caía nos açaizeiros do quintal de casa, ele subia e tirava com uma facilidade que deixava os garotos da rua frustrados.
Um dia minha avó quase teve um ataque quando viu o moleque subindo num poste para tirar uma pipa que tinha ficado presa no fio de alta tensão. Ficou de castigo, sem sair de casa, passava o dia olhando a televisão desconfiado, não entendia como aquela gente toda ia parar lá dentro.
Um dia fomos ao cinema. O assombro foi maior ainda, John Wayne atirava de lá da tela e ele se abaixava entre as poltronas apavorado, imaginando as balas e flexas voando sobre a sua cabeça.
- Num vô é dá moleza pra piçica...
A vida na cidade tava cada vez mais difícil. No primeiro dia de aula, ele voltou da metade do caminho reclamando que os pés estavam doendo muito.
- É muita panemeira, esse sapatu ficu gito nu meu pé.
- Não é isso. Você calçou ao contrário. Tá parecendo pé de papagaio.
Depois de muito esforço ele conseguiu se acostumar com os sapatos, com a lonjura, com a escola, com a cidade, aprendeu a ler e começou a descobrir um mundo novo...
Um dia passou num concurso público e voltou para Cametá para ensinar um pouco do que aprendeu. Minha avó é que anda meio contrariada.
Sem entender muito bem as “novidades”, anda resmungando pela casa...
- Esse piqueno tá ficando leso... Deve di tá bamburrandu prá cumprá uma tv que num passa nem nuvela... Inda fica u dia tudu iscrevendo numa purcaria de máquina sem papér... Depus fala que eu que tu caducando...
- Vó, se a minha namorada ligar, diz pra ela que eu tô conectado...
- Tá cum quê?
- Na rede, vó conectado na rede.
- Mi respeita, muleque! saliência na minha rede é que não...
- Não é isso, vó... é internet
- Nete? Tua namorada não é a Naza?
- Deixa pra lá, vó...
- É muita pavulagem!
- Inté! Jamevú!

VOCABULÁRIO

FICAR DE BUBUIA: Ficar sem fazer nada, ficar flutuando na água
BATENDO BEIRA: Vadiando
TETEÉ: À toa, de forma aleatória
BAMBURRANDO: Ganhando muito dinheiro.
LESO: idiota, amalucado
GITO: Pequeno (També pode ser, miúdo, zinho, zitito...)
LONJURA: Grande distância
PANEMEIRA - PICICA: Azar, Falta de Sorte
PAVULAGEM: Orgulho, Altivez
JAMEVÚ: Já vou embora

Um comentário:

Bel, a normal disse...

Tirando os excessos de inho e o xiado excessivo, o paraense fala realmente muito parecido com o amazonense. e eu queria ficar de bubuia :( no AM esse estilo de musica se chama MPA (musica popular amazonense) e no Pará? MPP? Oo. Bjs!